Agitou o mundo artístico a notícia de que o ilustrador Ziraldo, famoso pelo seu personagem “Menino Maluquinho”, foi condenado recentemente por estelionato.
Em geral temos em mente que estelionatário é quem passa cheque sem fundo, etc., e é comum também tanto os designers, quanto publicitários e ilustradores imaginarem que seus atos (e trabalhos) são imunes à qualquer punição ou regulamentação (eu já escrevi sobre isso, lembram?).
Mas esse caso do Ziraldo merece uma abordagem mais específica, pois não falamos de atender o pedido de um cliente para copiar (no todo ou em parte) a marca de um concorrente, falamos de atitudes definidas exclusivamente pelo profissional (designer, ilustrador, etc.) e de sua exclusiva responsabilidade.
Primeiro vamos aos FATOS:
Em 2003 Ziraldo foi convidado a ser Presidente de Honra do Festival Internacional de Humor Gráfico de Foz do Iguaçu;
Ziraldo criou a ilustração que foi usada como logotipo para o evento, recebendo para isso R$ 75.000,00 comprovado por edital;
Em 03/11/2004, Ziraldo pediu o registro da marca “FESTIVAL INTERNACIONAL DO HUMOR GRÁFICO DAS CATARATAS DO IGUAÇU – HUMOR AT THE FALLS – ZIRALDO”, que é a reprodução literal do cartaz de divulgação do evento, sendo que a marca é mista, o que inclui também a ilustração criada por ele, mas vai muito além desta, tentando apropriar-se de vários elementos de titularidade dos organizadores do evento.
Vamos analizar estes FATOS:
1 – Presidente de HONRA é, definitivamente e sob qualquer aspecto, um reconhecimento público da notoriedade do profissional, uma “honraria” (desculpem o trocadilho, foi inevitável!);
2 – Ao ser CONTRATADO formalmente para desenvolver a ilutração o profissional (seja quem for) transfere, automáticamente os direitos patrimoniais da obra criada, ficando apenas com os direitos morais, ou seja, o de ser mencionado como autor da obra e de mencionar a autoria, também o direito de impedir modificações que desfigurem ou adulterem a obra (exceto se houver concentido formalmente para tais alterações), enfim, ele pode dizer que fez, mas não pode “apropriar-se” da obra novamente ou obter novos lucros com ela;
3 – Quando alguém solicita o registro de uma MARCA junto ao INPI pretende garantir os DIREITOS PATRIMONIAIS sobre a marca, lembrando que os 3 tipos principais de apresentação de uma marca são:
a) Nominativa – apenas o texto, sem nenhuma apresentção gráfica, lettering, ilustração ou logotipo;
b) Figurativa – apenas a imagem, figura, ilutração, etc… sem nenhum texto (até 2 letras ainda não é considerado texto);
c) Mista – quando há uma apresentação visual (figura, ilustração, personagem, etc…) + texto;
E agora vamos analisar a POSTURA do ilustrador em questão:
1 – Nem vou comentar, acho que não precisa, né? HONRA é uma palavra cujo sentido é suficientemente claro.
2 – Assim como qualquer designer ou ilustrador, ao ser contratado e receber pelo trabalho, deveria abster-se de qualquer apropriação ou usurpação de direitos que já transferiu, não é justo receber 2 vezes pela mesma coisa, certo?
3 – Apesar das alegações do advogado de que não houve “prejuízo real” porque ele não concluiu o registro e também porque não foi feito uso da referida marca, devo lembrar que o Sr Ziraldo criou apenas a ilustração, por mais prosaico que seja o nome do evento, ele não o criou, mas tentou registrá-lo em seu nome, só isso é um ato claro de PIRATARIA, inegável, indiscutível. Além de ser um ato de completa falta de ÉTICA.
Na minha opinião, o juiz foi muito sábio: “A notoriedade e o prestígio gozados pelo réu, sobretudo sua representatividade perante o público infantil, fazem com que o agir ilícito dele se revista de maior grau de reprovabilidade“, anotou o magistrado na sentença.
Afinal, qual é o exemplo que deve ser transmitido aos jovens?
Talvez a maior punição seja a subjetiva, afinal, reputação não se compra, se constrói e então pergunto:
Qual é a reputação que adquire um designer ou ilustrador que, publicamente, é condenado por tentar se apropriar das marcas de seus clientes? Quem o contratará no futuro?
Resolvi escrever este post porque já fui contatado várias vezes por designers que pretendiam registrar como suas as marcas que criavam para os clientes, obviamente neguei-me a atendê-los, mas alguém deve tê-los atendido, com certeza. Então fica o alerta: não vale a pena ser pirata.
Quem quiser mais informações sobre o caso pode ler a matéria original, no site do Estadão.
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